Desde cedo, as nuvens foram espelhos das nossas ilusões.
Olhávamos para o céu e víamos nelas o que queríamos ver.
A mesma nuvem, mil formas:
um via um menino, o outro jurava ser um cão.
Discutíamos —
“Estás vendo mal!”
“Não, tu é que não sabes olhar direito!”
E ríamos,
como se a verdade morasse apenas nos olhos.
Explicávamos sem fim aparente o que víamos,
cada um tentando convencer o outro
de que sua visão era mais certa, mais nítida, mais real.
E, no fundo, sabíamos:
nenhum de nós via de fato a nuvem.
Víamos a nós mesmos projetados nela —
desejos, medos, memórias disfarçadas em algodão flutuante.
Pobre inocência,
que não sabia
que nem tudo é para ser explicado.
Acreditava que tudo tinha nome,
forma,
sentido.
Mas há nuvens que passam
sem precisar ser compreendidas.
Há silêncios que não pedem tradução.
E há sentimentos
que só existem
enquanto não são ditos.
Pobre inocência,
que queria dar sentido a tudo —
até ao vento,
que só queria passar.
Achava que o céu era quadro,
e as nuvens, rabiscos de um propósito.
Mas nem toda beleza precisa de lógica.
Nem todo encontro precisa durar.
Nem todo adeus vem com explicação.
Hoje entendo,
algumas coisas existem apenas para serem sentidas,
vividas em silêncio,
respeitadas em sua brevidade.
Como o olhar que cala,
a lágrima que escorre sozinha,
o instante que não se repete.
As imagens nas nuvens foram ilusões.
Desenhos forjados pela imaginação de olhos esperançosos,
de corações que precisavam ver mais do que apenas céu.
Mas hoje sei —
nuvem é apenas concentração de gás,
flutuando, sendo arrastada por ventos que nem sabem seu nome.
Não há cavalo, nem castelo, nem rosto de ninguém.
Há vapor.
Há vento.
E há uma mente tentando dar forma ao que não tem forma.
Talvez a beleza esteja nisso:
na vontade de acreditar que há sentido,
mesmo onde só há passagem.
Mesmo onde tudo se desmancha ao toque do tempo.
A inocência residiu aí,
nas horas gastas olhando para a beleza das formas —
formas que nunca foram, mas que pareciam ser.
Gastamos tardes inteiras apontando para o céu,
discutindo sobre dragões e navios,
sobre rostos sorrindo ou monstros rugindo.
Tudo na mesma nuvem.
Era o tempo em que ver era crer,
em que imaginar era construir um mundo.
E que mundo era aquele,
onde o real não importava,
e bastava acreditar para existir.
Hoje, sei que era apenas vapor,
mas nunca foi só isso.
Era também abrigo da fantasia,
pouso leve da esperança.
“Que a vida não me faça prender em ilusões,
mas, se houver alguma, que seja como as nuvens:
leves, transitórias, que se dissolvem ao sabor do vento.
Que eu possa, então, aprender a ver as formas
sem me apegar a elas.
E que, mesmo nos momentos de incerteza,
eu encontre beleza nas transições,
sabendo que tudo está em constante movimento.”
Escrevo com alma, de flor e dor,
Essência @M. C. C. — Margarida Chissenda Chimbalandongo
Autor: Margarida Chissenda Chimbalandongo |
Publicado em: 17/06/2025
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